sexta-feira, 16 de outubro de 2015

ANÁLISE DO ESPETÁCULO O BARÃO NAS ÁRVORES DO GRUPO MAMBEMBE

                                               

 Artigo publicado recentemente no 1º Seminário da Região Norte: Educação, Arte e Intercultura pela Professora do Curso de Teatro do Estado do Amazonas, Carolina Cecília Carvalho Nogueira.



ANÁLISE DO ESPETÁCULO O BARÃO NAS ÁRVORES DO GRUPO MAMBEMBE



Eixo Temático: Eixo 2: Produções Artísticas


CAROLINA CECÍLIA CARVALHO NOGUEIRA[1]
(Universidade do Estado do Amazonas - UEA, AM)


RESUMO:
Esse artigo pretende explorar alguns elementos contidos no espetáculo O barão nas árvores apresentado pelo grupo de Teatro de Rua “Mambembe – Música e Teatro Itinerante”. Analisar determinadas partes da obra e perceber como ela contribui com o todo.  Especificar as unidades que melhor compuseram esse trabalho e analisar quais puderam ser favoráveis a um trabalho de Teatro de Rua como linguagem, diferenciada das outras formas de teatralizar. A partir da análise pode-se ainda obter um registro das atividades, acontecimentos, escolhas que compuseram essa montagem cênica, propiciando consequentemente um registro de parte da memória que envolve o trabalho do grupo.

Palavras-chave: Grupo – Teatro de Rua – Análise.



1 INTRODUÇÃO

O Grupo Mambembe – Música e Teatro Itinerante[2] se caracteriza principalmente por ser uma companhia de Teatro de Rua. O grupo desenvolve suas montagens teatrais a partir da adaptação de obras literárias do gênero narrativo (contos, romances, etc.) para a dramaturgia.  O primeiro contato dos integrantes com o texto é com a literatura. Posteriormente, inicia um processo de criação proposto pela direção com os atores, baseados na obra lida. O ex-dramaturgista do grupo, William Neimar, acompanhava a ação inicial em sala de ensaio, e criava a dramaturgia inspirado no que assistia, bem como na obra narrativa escolhida. Após a chegada do texto dramático, a montagem se inicia tomando como referência a dramaturgia elaborada.
A dramaturgia de O barão nas árvores, conta a história de um menino, que ao se sentir oprimido pelos pais na mesa de jantar, se rebela contra a família e sobe nas árvores, decidido a nunca mais descer. A partir desse conflito, vão surgindo outros. As tentativas de sobrevivência do menino nas árvores, as aventuras que o herói passa (romances e diversas situações), ondulam o ritmo da encenação, envolvendo o espectador.  Todas as cenas criam grandes expectativas quanto a resistência de Cosme permanecer nas árvores, com tantas situações que o provocam a descer.
O espetáculo, O barão nas árvores foi inspirado na obra homônima de Italo Calvino. A análise realizada nesse artigo refere-se, sobretudo, ao desenvolvimento durante as apresentações pelas ruas onde o Mambembe passava. O relato das experiências vivenciadas auxilia nas reflexões sobre o fazer teatral do grupo, bem como colabora para o registro e conservação de sua memória artística.

2 DESENVOLVIMENTO

- A saída para a rua
O espetáculo contou com cerca de vinte e cinco participantes que invadiam as ruas onde o grupo se apresentava com seus figurinos exuberantes e um canto de cortejo popular animado, que convidavam o espectador e o cativava a assistir a apresentação.
Antes de todos os espetáculos do Mambembe, é tradição do grupo fazer um cortejo temático, que convide o espectador e o leve para o universo do espetáculo. O cortejo traz a trilha sonora de espetáculos antigos do grupo e algumas músicas novas, não sendo necessariamente as do espetáculo, mas que de alguma forma dialogue com sua atmosfera. O cortejo que antecipava O barão nas árvores trazia cantigas de roda popular que envolvia o espectador e o fazia participar das mesmas. Com tantos atores e espectadores, (como o cortejo circunda os bairros em que vão se apresentar) o trânsito era interrompido por uma grande massa andante. Os integrantes do grupo, bem como o público que estava sendo convidado, se situavam dançando e cantando no meio da rua. As músicas e movimentações do cortejo eram dinâmicas, levando o público a um clima de festejo. Essa alegria popular assemelha-se à da Idade Média onde considera a principal fonte do riso o movimento da vida. A comicidade que vem da existência, onde só o fato de existir é o motor para a alegria. Esse riso, intencional criado pelo clima de festividade do cortejo, não busca um texto dramático, ou ações cômicas, mas sim a alegria existencial. O público do Mambembe, como é comum ao Teatro de Rua, é heterogêneo, no sentido em que grande parte dos espectadores não havia sido informado do espetáculo e se deparavam com os atores por acaso, ou escutou as músicas do cortejo e foi atrás para descobrir o que estava acontecendo. Outro tipo é aquele que ouviu a divulgação (por mídias, cartazes, etc.), ou acompanha o trabalho do grupo e está ciente de sua agenda. Além disso, as idades são variadas, crianças á idosos estão sempre presentes na plateia. Essa variação, mais as vivências pessoais, alteram na disponibilidade para receber a apresentação teatral pela plateia. O cortejo surge como um convite para abandonar a atmosfera individual e entrar na alegria da existência a qual se refere o pesquisador Mikhail Bakhtin (1987), iniciando a leitura ,bem como vivência, do universo que permeia o espetáculo. Para deixar essa receptividade de públicos tão diferentes homogêneas, o cortejo é um grande facilitador. Sobre o espectador da rua, André Carreira reflete:

A heterogeneidade do público é um elemento definidor do fenômeno teatral na rua, pois é esta característica que determina o âmbito social do espetáculo. Uma recepção marcada pela diversidade implica no convívio com as regras básicas do espaço da rua e condiciona o ritmo do espetáculo.” (CARREIRA, 2005, p. 35).

O cortejo da representação O barão nas árvores conduzia os espectadores a uma atmosfera de alegria fazendo com que o entusiasmo da festividade anterior implicasse na boa recepção da apresentação. A plateia se sentia mais próxima dos artistas e livre para interagir nos momentos propícios do espetáculo, por espontânea vontade, sem pudor. Esse tipo de abordagem ajuda o envolvimento do público com o espetáculo facilitando a aceitação e interação. As piadas são melhores recebidas, e o “mínimo de esforço” do artista gera a empatia da plateia. Quando esse envolvimento não acontece, o ator pode ter em algumas vezes maior dificuldade de se relacionar com o público, não alcançando o riso nos momentos desejados. A partir do instante em que as pessoas entram em contato com os artistas, elas já o “conhecem”, se estabelece então uma familiarização que cria a liberdade de interagir, bem como uma generosidade de receber a apresentação. Os atores dialogavam com a plateia, antes da apresentação, fora da cena. De forma intimista, conversavam (ainda dentro do personagem) sobre assuntos cotidianos, bem como fazia fofocas de atitudes dos outros personagens, em tom de segredo, como se conhece o espectador.

Grupo Mambembe. Cortejo convidando moradores para apresentação de O barão nas árvores. Ouro Preto-MG, 2007. Foto: Acervo do Grupo.

A interação com os espectadores em O barão nas árvores acontecia de diversas maneiras. A primeira ocorria antes mesmo do cortejo, quando os atores chegavam ao local da apresentação, já caracterizados, e chamavam a atenção da comunidade que se aproximava, curiosa por ver pessoas com vestimentas nada cotidianas, cenários e instrumentos musicais sendo montados. Os atores iam ao encontro oferecendo objetos ou parte da indumentária dos próprios, que a comunidade em volta, principalmente as crianças, experimentavam. Como o espetáculo começa com um baile, os atores diziam que iria haver o baile e os convidava. Nesse momento havia dois tipos de propostas, uma que caminhava para a ilusão a ser vivida pela fábula do espetáculo, onde os atores só se mostram como personagens; e outro lado, onde ocorria uma quebra um tanto inevitável da ilusão cênica, pois o público via surgir diante dos seus olhos a maquinaria, sua montagem, bem como interagiam com os instrumentos sendo afinados pelos músicos.
Assim que a maquinaria cênica estava pronta, o grupo saía em volta do bairro em um grande cortejo, convidando a comunidade a assistir ao espetáculo e a participar das cantigas de roda durante o percurso. Algumas vezes uma das atrizes (Manoela Pereira), devidamente caracterizada com seu personagem, entrava nas residências e convidava a todos os moradores. Nesse momento os espectadores deixavam os afazeres cotidianos, participava das festividades com as músicas populares, semelhante aos antigos carnavais onde Bakhitin explica:

A influência da concepção carnavalesca do mundo e o pensamento dos homens era radical: obrigava – os a renegar de certo modo a sua condição social (como monge, clérigo ou erudito) e a contemplar o mundo de uma perspectiva cômica e carnavalesca.” (BAKHITIN, 1987, p. 12)

Após o cortejo, e já no local da apresentação, o dono da casa, Barão Armínio, convida a todos para o baile e durante cinco minutos os atores passeiam pelo público, dessa vez interagindo com os que ali não estavam e se arrumando para o baile, bebendo água e oferecendo para plateia. Esse momento é interrompido quando o Barão Armínio solicita a música. Os atores começam a dançar coreograficamente e a cantar já no espaço da cena. Nesse momento ocorre a divisão espacial entre ator e plateia.
Após esses momentos, durante o espetáculo, os atores triangulam com o público (conversam dentro do contexto da cena diretamente com a plateia) e se espalham pelo espaço buscando pontos diferentes e realizando comentários em particular para os espectadores que se encontram no ponto específico ao qual cada um se dirigiu. Em uma cena, onde os caçadores estão à procura de um bandido, ocorrem novamente diálogos direcionados a pequenas porções do público, pois procuram o bandido entre os espectadores e os interrogam separadamente.
Ao término da apresentação, o ator principal sai ainda como personagem, e mantendo a palavra do mesmo, não toca os pés no chão, mantendo assim a ilusão cênica para o público.
Essas relações são propostas pela dramaturgia, que coloca o espectador como parte integrante do espetáculo, como se o fato de estar ali não ser mera coincidência, ele se torna personagem cidadão que acompanha o conflito em determinados momentos, sendo algumas falas dos atores na perspectiva de fofoca, opinião, a respeito do acontecido.
No momento em que Cosme se revolta, os familiares incitam o público a gritar junto com eles, dizendo “Bate! Bate!” Além dessa proposta inserida no texto, a forma como são colocadas as falas do caçador, propicia a criação de interação, pois os diálogos não são direcionados um ao outro de forma específica, eles são jogados, permitindo que eles se dirijam a plateia,  a fofoca e a opinião não exigem contextualmente, uma resposta . E no contexto da fala, o Caçador 3 citava o bairro em questão, onde estava sendo apresentado o espetáculo, se aproximando da cultura local e  levando o público a sentir intimidade com a apresentação. O trecho do texto dramático O barão nas árvores abaixo permite tal observação:

Caçador 4: (temente) João do Mato! Já assaltou todos os moradores da Bauxita[3]!
Caçador 3: (fofocando) Quando jovem, matou até um chefe do bando!
Caçador 1: Foi também um bandido dos próprios bandidos! (As árvores cochicham)”
           
             Os espectadores se divertiam com essa forma de interagir, se sentiam mais íntimos do universo da apresentação.  Algumas vezes, ele se tornava cúmplice de algumas ações que aconteciam na cena com o seu aval. Como por exemplo, incentivar os pais a bater no filho, denunciar onde está o bandido, etc. Essa forma de relação com a plateia não interrompe a ilusão cênica, ao contrário, ela estreita os laços entre o ator e o espectador, dando a ele uma função na cena, como se ele fosse um personagem da história.

- Elementos visuais e aspectos cenográficos
        
No cortejo que antecede a apresentação, os elementos visuais chamam a atenção da comunidade. Suas cores “gritantes”, maquiagens extracotidianas que dilatam a expressão dos atores, encantam o público e o atrai para o espetáculo. Essa maquiagem fugia de qualquer traço do naturalismo, suas características se definem semelhantes ao que o pesquisador Patrice Pavis considera como Trabalho autônomo da maquiagem:

A partir do momento em que não obedece mais a uma banal tarefa de sublinhar e confirmar traços verossímeis e realistas da personagem, a maquiagem forma um sistema estético que obedece apenas às suas próprias regras. É o caso de gêneros altamente codificados como a Ópera de Pequim, que utiliza uma maquiagem ao mesmo tempo arbitrária e imutável. Mas é também uma prática das vanguardas europeias a partir do momento que declaram guerra ao naturalismo na arte. As maquiagens grotescas dos atores de Meierhold ficaram célebres pois abriram uma nova via para a encenação ocidental ao reduplicar a teatralidade da atuação e ao atribuir a cada componente os plenos poderes para se desenvolver segundo a lógica de suas possibilidades. (PAVIS, 2003, p. 172)

E o efeito sobre o espectador em relação a essa imagem estética é o que Pavis chama de O inconsciente da maquiagem:

A coisa mais difícil para se avaliar – mas também a mais importante é o efeito produzido pela maquiagem sobre o observador, sobretudo sobre o seu inconsciente. Os traços sublinhados ou desviados podem produzir um efeito de sedução, de terror, ou cômico, sem que saibamos exatamente como. O espectador está implicado não em uma decodificação anódina de informações, mas em um face-a-face no qual aquilo que lê suscita seu desejo. Sobre o rosto do outro, com base ou sem base, eu leio os meus próprios pensamentos e desejos, e associo a ele uma cenografia à flor da pele e uma cerimônia de sedução.” (PAVIS, 2003, p. 172)

 A roupagem de época com um toque de esquisitice poderia causar estranheza ao espectador, mas as cores vibrantes e suas combinações davam um verdadeiro ar de alegria e beleza ao espetáculo. O diretor e figurinista, Antônio Apolinário, revela na pesquisa de linguagem feita no processo de O barão nas árvores:

Em O barão nas árvores, o figurino teve um tratamento especial, com sobreposições de texturas e cores adornadas com muitas rendas. Ele carrega em si códigos referentes ao universo evocado pela festa e pelo banquete, imagens recorrentes no grotesco. Um fato bastante especial é que, sendo um traje de gala da nobreza dos Rondó, foi todo desconstruído, ou melhor, reconstruído a partir de restos de outras festas. Vestidos e ternos usados em comemorações passadas ganharam novos formatos para servir a uma corte decadente e de fachada, porém não menos pomposa em seu exibicionismo e vaidade.” (APOLINÁRIO, 2009, p. 248)

A maquiagem e figurino de todos os atores eram chamativos, havia uma base comum em ambos elementos, causando uma unidade, de modo que se percebia ao longe, claramente, os atores como parte do mesmo espetáculo. A especificidade de cada personagem era representada por cores e traços diferentes; alguns personagens usavam adereços reforçando sua característica específica. Sobre isso, Apolinário faz o seguinte comentário:

A roupa, o figurino no teatro, revela-se como um composto de significados, constitui-se como um sistema de linguagem que tende a oferecer ao espectador a possibilidade de leituras e informações a respeito da personagem e o universo ao qual ela pertence. Protege o ator, dilata sua figura no espaço cênico, revela a personagem, oculta, camufla, podendo também funcionar como adereço e objeto cenográfico. Pensar o figurino a serviço do ator e da encenação é, antes de tudo, buscar compreendê-lo artisticamente. (APOLINÁRIO, 2009, p.248)

 Apresentação de O barão nas árvores em Ouro Preto-MG, 2007. Foto: Arquivo do grupo.

Outro elemento que contribuiu para a cenografia, de fato foi o figurino, que juntamente com os atores, deram “vida” ao espaço. Sobre a relação do figurino com o espaço Pavis considera:

O figurino é muitas vezes uma cenografia ambulante, um cenário trazido á escala humana e que se desloca com o ator. [...] Algumas formas de dança tradicional oriental, como a dança balinesa ou a Ópera de Pequim, concentram no cenáriofigurino uma riqueza que torna supérfluo qualquer caracterização do espaço cênico que permanece vazio para melhor acolher a coreografia e o canto. (PAVIS, 2003, p. 165).

A opção de unidade (utilizar de um figurino base comum a todos os atores), além da questão estética, contribuiu para a logística, pois quase todos os atores faziam parte de coros que representavam o desdobramento de outros personagens; desse modo, bastava acrescentar adereços simples que os transformavam rapidamente, sem atrapalhar a dinâmica da apresentação.
Como por exemplo, na fotografia abaixo, a atriz acrescentou uma capa ao figurino base, retirou a peruca e manteve a touca de meia que já estava na cabeça, e assim se transformou em caçador.

Grupo Mambembe. Em primeiro plano a atriz Vanessa Biffon. Cena dos caçadores na apresentação de O barão nas árvores em Ouro Preto-MG, 2007. Arquivo do grupo.

O cenário era composto por uma estrutura de madeira que simbolizava a árvore de Cosme, onde o ator atuava durante quase toda peça. Também tinha a utilidade de camarim, pois os atores trocavam seus adereços atrás da mesma. A forma com que os coros compunham o espaço formavam imagens simbólicas que às vezes podia tomar lugar a função cenográfica. A definição de cenário do pesquisador dessa área, Gianni Ratto, ajuda a compreender a cenografia e perceber que os atores, figurino, e maquiagem se manifestaram esteticamente como objeto espacial: “Cenografia é o espaço eleito para que nele aconteça o drama ao qual queremos assistir. Portanto, falando de cenografia, poderemos entender tanto o que está contido num espaço quanto o próprio espaço.” (1999, p. 22).
Na imagem a seguir, o adereço de tule que cobre a personagem, preenche o espaço e simboliza a prisão do bandido Jõao do Mato. Ainda que não fosse um objeto estático, a forma que ele dá ao espaço compõe a cena cenograficamente.

Cena da prisão de João do Mato na apresentação de O barão nas árvores em Ouro Preto-MG, 2007. Foto: Arquivo do grupo.

Seguindo a perspectiva de Ratto, pode-se concluir que a rua era o espaço que contribuía significativamente para a cenografia do espetáculo, considerando que esse foi apresentado inúmeras vezes nas ruas da cidade histórica de Ouro Preto-MG e o texto se passa em tempos antigos, a arquitetura, favorecia para a atmosfera do tema em questão. Mas o que estava contido no espaço e o preenchendo de imagens e símbolos, hora estáticos, hora em movimento, eram os atores, cobertos por suas grandes roupagens dilatadoras da intenção cênica.  Essas intenções são trazidas pelo texto, que constrói e amarra a trama dando sentido às ações dos personagens. A dramaturgia dessa forma possibilitou através de sua temática e diálogos dos personagens empatia da plateia; facilitando para que ela se sentisse imersa nessa grande composição de elementos cênicos que possibilita a intimidade do público com a ilusão cênica.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
            Especialmente esse espetáculo do grupo Mambembe foi privilegiado pelo cenário natural da cidade de Ouro Preto-MG (visto que a maioria das apresentações ocorreu nessa cidade). A história O Barão nas árvores se passa no século XVIII e coincide com o período de grande parte da arquitetura da cidade.  Ainda que Calvino tenha escrito a história e a contextualizado na França, o ar de antiguidade ilustra a atmosfera ambiente do espetáculo. Mesmo quando o teatro se apresenta em um local que não corresponde ao cenário natural, ainda assim é possível envolver com a história, pois ela propõe imagens que permeiam não só o espaço externo, mas também o interno, direcionando o olhar do espectador a uma vivência da imaginação proposta. Ele passa a enxergar o espaço com as sensações propostas pelos sentimentos que o texto propõe, e não mais pelos signos solitários do local.
A representação no Espetáculo O Barão nas árvores trazia a subjetividade nos objetos cênicos, como se os sentimentos vividos na cena, estivessem ligados a eles. O mesmo acontecia no coro, que sempre presente em cena intensificava sentidos e percepções, (uma vez que várias imagens repetidas da mesma intenção de sentimento reforçam a intensidade e a clareza dos significantes propostos), seus gestos e imagens possibilitavam o reforço dessa subjetividade.  Enfim, o envolvimente e trabalho artístico nessa montagem cênica, desenvolvida pelo Mambembe, puderam proporcionar ao grupo boas reflexões sobre a criação e apresentação da obra artística.




REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec\Editora da Universidade de Brasília, 1987.
APOLINÁRIO, Antônio. In: Recriações: A Trajetória do Mambembe – Música e Teatro Itinerante. BORTOLINI, Neide das Graças de Souza (org.). Ouro Preto: Editora UFOP, 2009.
CALVINO, Italo. Os nossos antepassados: O visconde partido ao meio; O barão nas árvores; O cavaleiro inexistente. São Paulo: Companhia de bolso, 2014.
CARREIRA, André. In: Teatro de Rua: Olhares e Perspectivas. TELLES, Narciso (org.); CARNEIRO, Ana (org.). Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2005.
PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. São Paulo: Perspectiva, 2003.
RATTO, Gianni. Antitratado de cenografia: variações sobre o mesmo tema. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1999.



[1] Professora do curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas. E-mail: caroldoteatro@gmail.com
[2]O Mambembe é um programa da Universidade Federal de Ouro Preto – MG. Criado em 2003, durante esses doze anos permanece ativo com suas atividades artísticas. Conta com a participação dos alunos e professores do curso de Artes Cênicas e Música da UFOP.
[3]Bairro da cidade de Ouro Preto-MG, onde estava sendo encenada a peça nessa ocasião.

ESPAÇO TEATRAL: DEFINIÇÕES E TERMOS ATRELADOS AO TEATRO DE RUA

                   

Artigo publicado recentemente no 1º Seminário da Região Norte: Educação, Arte e Intercultura pelo Professor do Curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas, Jhon Weiner de Castro.



ESPAÇO TEATRAL:

DEFINIÇÕES E TERMOS ATRELADOS AO TEATRO DE RUA



Eixo Temático: Produções Artísticas


JHON WEINER DE CASTRO[1]
(Universidade do Estado do Amazonas - UEA, AM)


RESUMO:
Este trabalho tem o intuito de explanar alguns aspectos sobre a relação que se dá entre espaço teatral e produção artística, sobretudo no Teatro de Rua. Resulta-se de pesquisas realizadas no Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Suscita reflexões acerca das definições dadas ao termo “espaço”, considerando referências distintas de pesquisadores-artistas do Brasil e mesmo de outros países. Longe de determinar formas e conceitos fixos para se referir ao espaço, esse artigo visa abordar e considerar as diferentes definições dadas ao assunto. Após relacionar, comparar e classificar determinados conceitos acredito ser possível atribuir termos mais específicos ao tema estudado. Com base nas referências trazidas para elucidar os significados, e com exemplos que demonstram uma evolução do espaço teatral, admitindo, especialmente no Teatro de Rua, as influências que um determina sobre o outro, pode-se pensar e criar termos mais específicos para cada situação pesquisada. Após discorrer sobre os termos mais utilizados em publicações sobre o assunto chega-se a proposição de um breve glossário vinculando espaço e teatro.

Palavras-chave: Espaço – Teatro de Rua – Termos.



1 INTRODUÇÃO

O espetáculo teatral, quando realizado na rua, segue padrões e influências que o determinam e o diferenciam claramente de uma encenação apresentada em outros ambientes, como o tradicional palco italiano, por exemplo. Para conhecer e determinar elementos específicos da linguagem do Teatro de Rua e relacioná-los a uma montagem teatral requer a aceitação de que o espaço nessa situação é bastante característico. E também é necessário compreender que a peça sofre influências múltiplas e modifica-se consideravelmente a cada escolha de um novo local para a apresentação. Afinal, o espetáculo na rua é dependente até mesmo da relação e visão que o próprio espectador faz dele com o meio onde está sendo apresentado. Como exemplo, na obra Teatralidade e Cidade, a pesquisadora Zilá Muniz comenta que o “espaço teatral que se insere e invade o espaço público estabelece outras relações entre os níveis imagéticos criando relações entre transeunte e ambiente” (MUNIZ, 2011, p. 79), o que então, passa também a ser considerado.
Compreendendo a relação intrínseca existente entre o Teatro de Rua e o espaço no qual se desenvolve esse tipo de arte, podemos então estabelecer determinados conceitos à modalidade. Aliás, de forma geral, as ideias que temos sobre as inferências da escolha de um espaço para uma determinada encenação podem ser atribuídas à montagem cênica em diversas outras ocasiões e não somente no Teatro de Rua. Não dá para negar a relação e influência que os espaços utilizados em distintos períodos da História do Teatro exerceram sobre a produção teatral contemporânea a cada um deles; isso, tanto em espaços abertos quanto nos espaços fechados. E tal consideração pode se relacionar aos espaços construídos especificamente para receber as encenações teatrais, ou mesmo àqueles classificados como não convencionais para o teatro.
Assim, esse trabalho visa despertar um olhar direcionado para a relação entre espaço teatral e a produção artística, sobretudo no Teatro de Rua. E embora recorra a exemplos de outras modalidades não diretamente ligadas à rua[2], o foco tende a se voltar para as encenações desse tipo de espaço. Isso por dois motivos principais; o primeiro remete ao forte caráter de interação que uma apresentação de rua tem com o local onde ela se desenvolve; e o segundo devido ao interesse e necessidade de abordar especialmente esse tema. Outra consequencia originada a partir da pesquisa sobre espaço cumina em estudos sobre definições e termos adivindos de inúmeros conceitos atrelados a esse tema.

2 DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento e evolução da encenação teatral sempre estiveram intrinsecamente atrelados ao espaço onde se davam e ainda se dão as apresentações cênicas. Na Grécia, por exemplo, tínhamos as arenas e semiarenas com estruturas que possivelmente determinavam o tipo de uso e uma direta ligação (dos atores e da dramaturgia) com o que era posto sobre o espaço cênico, conforme analisado na obra de César Oliva e Francisco Monreal, quando os autores se referem às skenes[3] e aos espaços onde eram apresentadas as peças gregas.

Outro uso muy posible era el de servir de espacio escénico a los dioses que formablam parte del reparto escénico. La dimensión altura tenía su simbolismo en el teatro griego. Por médio de la maquinaria, los dioses descendían a lo largo del muro (es el deus ex machina). Su actuación no debería situarse al mismo nivel de los personajes humanos. (OLIVA & MONREAL, 1994, p. 42)

Em outro exemplo histórico, ainda sobre a relação do Teatro com espaço (também referente a encenações ocorridas em ambiente abertos) temos na Idade Média o surgimento do carro-palco, onde a possibilidade de deslocamento pelo espaço ao ar livre na cidade propiciava outras formas de interação do público com o espetáculo teatral. Esse uso característico originou significativas implicações na criação e execução das montagens cênicas do período.

(...) os espectadores podiam movimentar-se de um local de ação para o outro, assistindo à sequência das cenas à medida que alteravam a própria posição; ou então as próprias cenas, montadas em cenários sobre os carros, eram levadas pelas ruas e representadas em estações predeterminadas. (MARGOT, Berthold. 2010, p. 209).

Não é difícil perceber que as inferências do espaço teatral sobre o espetáculo podem estabelecer conexões mesmo antes de a peça começar a ser ensaiada. Se a estrutura interfere na movimentação e criação dos atores, bem como na interação com o público, também pode interferir desde a elaboração da dramaturgia, muitas vezes criada para um espaço específico. Haja vista as inúmeras cenas de balcão presentes nos textos de William Shakespeare, demonstrando uma estreita e íntima ligação com o espaço do palco elisabetano. Comumente, outras questões atreladas ao espaço despontam na dramaturgia shakespeariana. Ao descrever a estrutura arquitetônica relacionada ao prédio[4] teatral do final do século XVI, o pesquisador Bill Bryson desmonstra essa relação entre o dramaturgo e o espaço onde ocorrerá a apresentação:

O esboço mostra um grande palco que se projeta para a plateia, em parte coberto, com uma torre atrás que contém um espaço conhecido como casa de tiring (abreviação de attiring, “vestuário”) ou vestiário – um termo cujo uso registrado mais antigo se encontra em Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare –, onde os atores trocavam de roupa e pegavam objetos de cena. Acima do vestiário havia galeria para músicos e plateia, assim como espaços que podiam ser incorporados à apresentação, para cenas de balcão e semelhantes. (BRYSON, 2008, p. 69).

Do teatro realizado na Grécia, a mais de 2500 anos atrás, ao teatro do século XXI, percebemos como o espaço evoluiu e transformou-se, consequentemente influenciando as encenações ao longo da história teatral. E embora muitas das características estéticas ainda possam se assemelhar, propostas teatrais distintas existem e constantemente são experimentadas. Tais propostas não se restringem apenas aos locais com uma arquitetura projetada especialmente para o Teatro, como vemos nos registros históricos que trazem inúmeros exemplos da utilização de espaços abertos e não convencionais, para apresentações cênicas. E não devemos esquecer que a ação teatral se desenvolveu por mais tempo em espaços ao ar livre que em salas projetadas. Nesse contexto, a pesquisadora Lidia Kosovski traz uma visão histórica sobre uma perspectiva de rompimento com os espaços fechados diante as novas possibilidades e experimentações do século XX. Em suas considerações, a autora descreve uma relativa tensão contrária aos espaços fechados e convencionados para o teatro.

A força da experiência dentro do edifício, talvez justamente pela tensão produzida entre a natureza dionisíaca da expressão teatral e as amarras e limites impostos por uma geografia determinada e disciplinadora, inscreveu o século XX na História do Teatro, como um século de “explosão do espaço”, em que o teatro europeu se dilatou, e em um certo viés reenglobou o espaço físico da cidade como palco. (KOSOVSKI, 2005, p.11).

Assim como as possibilidades de uso, são variados e diferentes os conceitos de estudiosos sobre o assunto espaço, mesmo quando se relaciona apenas ao Teatro de Rua diretamente. Essas variações tornam-se ainda maior quando se amplia o estudo para outras áreas que não a teatral especificamente, como arquitetura, estudos sobre a sociedade, patrimônio, etc. Mas em comum, as observações e pesquisas que lidam com o fazer teatral, comumente trazem uma visão relacionada à capacidade de influência e interferência que um determinado espaço poder exercer sobre uma obra artística. O pequisador teatral, Narciso Telles, ao comentar sobre o Teatro de Rua e espaço, traz uma reflexão referente às pesquisas realizadas nesse campo, onde a relação entre o Teatro e a cidade suscita uma série de especificidades a respeito desse acontecimento.

Esses conceitos de análise da relação com o espaço – cênico e urbano, propiciam a reflexão em torno da ação teatral na cidade e dos efeitos de teatralidade gerados por esses acontecimentos. Torna-se importante verificar que estes efeitos ocorrem em diversas ordens e escalas, o que demonstra a especificidade do teatro de rua e seus modos de fazer. (TELLES, 2008 p. 14).

Se da relação teatro-espaço surgem outras análises que influenciarão até mesmo no modo de fazer, ou seja, no processo de realização do espetáculo, evidencia-se, portanto, certa interdependência desses assuntos (teatro e espaço). De tal forma, considerar a influência de um sobre o outro, demanda compreender quais as possibilidades na criação e na apresentação de uma montagem, sobretudo para o Teatro de Rua. Isso porque nessa modalidade teatral o espaço é mutável e o espetáculo se depara com inúmeras circunstâncias passíveis de serem incorporadas ou rejeitadas. Tal articulação tornou-se assunto de pesquisa recorrente na década de 80, quando começaram a surgir trabalhos escritos abordando as ideias de encenadores atentos ao desdobramento que se dava entre criação teatral e o espaço. Na França, Jean-Jacques Roubine reúne uma análise acerca da “explosão do espaço” (1980); da Alemanha, Jean-Jacques Alcandre (1987) instiga o pensamento sobre as articulações desse assunto.

Toda obra de criação, tanto no domínio da literatura quanto no das artes do espetáculo, se caracteriza por se inscrever no espaço, respeitando as modalidades específicas de cada uma destas manifestações artísticas. A criação teatral apresenta traços particulares que, por sua vez, determinam as articulações características do espaço teatral. (ALCANDRE, 2003, p. 9).

E se os trabalhos escritos traziam essas reflexões, é porque acompanhavam a intensa prática cênica que se aprofundava ainda mais nos experimentos relacionados ao espaço teatral. Haja vista os incontáveis grupos, companhias, coletivos, artistas, engajados na criação de montagens em espaços abertos. Em todo o mundo, encenações fora dos espaços convencionais eram desenvolvidas, inclusive no Brasil, onde se observa um considerável surgimento de grupos de Teatro de Rua nesse período.
Com tanta atenção dada à criação e pesquisa cênica atrelada ao espaço teatral, começaram a surgir definições cada vez mais específicas. Essas se desdobravam em ramificações de conceitos para analisar tanto o todo quanto elementos mais pontuais. Com isso, termos e significados foram sendo introduzidos na linguagem teatral.
A seguir, esse trabalho apresenta algumas das definições que temos sobre espaço teatral. Também demonstra subdivisões que podem aparecer dentro deste conceito: como espaço cênico, espaço da plateia, espaço de representação, e outros possíveis. O intuito, não é limitar ou restringir o assunto a um ou mais termos. O que espero é analisar pontos de vista dos tantos artistas-pesquisadores, para que os relacionando ou mesmo confrontando-os, possa-se chegar a reflexões mais concisas.
É pertinente salientar que, embora sejam tantas as definições encontradas, o assunto ainda não se cessaria apenas com a reunião desses termos, tendo em vista a infinita gama de possibilidades envolvendo o espaço como um todo. Concordando com Patrice Pavis[5] (2008), seriam em vão tentar finalizar as discussões sobre o assunto apenas atribuindo conceitos, já que nem sempre eles se restringem a algo pontual e unilateral. Mas isso não significa que os termos deixarão de surgir e que cada vez mais estarão direcionados às pesquisas e experiências dos artistas em suas criações e relações com o espaço. O mesmo autor traz definições sobre vertentes desse conceito quando atrelado ao Teatro. Um deles se refere ao espaço teatral como um todo:

Termo que substitui frequentemente, hoje, teatro. Com a transformação das arquiteturas teatrais – em particular o recuo do palco italiano ou frontal – e o surgimento de novos espaços – escolas, fábricas, praças, mercados etc. –, o teatro se instala onde bem lhe parece, procurando antes de mais nada um contato mais estreito com um grupo social, e tentando escapar aos circuitos tradicionais da atividade teatral. O espaço cerca-se por vezes de um mistério e de uma poesia que impregnam totalmente o espetáculo que aí se dá. (PAVIS, 2008, p. 138)

Esmiuçando o termo, chegamos a outras definições. Uma delas, diretamente atrelada à cena, traz um recorte amplamente discutido, o espaço cênico. Kosovski busca sintetizar o conceito a respeito com a seguinte definição:

Quando consideramos a ideia de uma demarcação espacial destinada à cena, ao cênico, um espaço cênico – podemos aceitá-lo sumariamente como “o lugar onde acontece a representação”. Esta definição pode ser compreendida como denominador comum de todo e qualquer tipo de representação, para qualquer espetáculo. (KOSOVSKI, 2005, p. 9).

E ainda nessa reflexão acerca do termo, Pavis comenta que o espaço cênico “É o espaço real do palco onde evoluem os atores, quer eles se restrinjam ao espaço propriamente dito da área cênica, quer evoluam no meio do público.” (PAVIS, 2008, p. 132). Numa visão que considera outras relações com essa definição, o cenógrafo Gianni Ratto comenta que “O espaço cênico não tem limites: ele se multiplica pela dimensão do texto e de suas personagens. Ele não pode ser medido por metros quadrados ou cúbicos; ele existe – infinito – onde uma palavra de poesia ressoa.” (RATTO, 1999, p. 36).  Essa última análise demonstra-se vinculada, de certa forma, a outra definição, a de espaço dramático. Nessa perspectiva, Alcandre exemplifica esse termo com uma característica mais ligada ao texto, o que não impede de encontrarmos semelhanças com outras definições.

Discursos, objetos, gestual, signos acústicos, qualquer significante teatral pode, na realidade, ser metáfora do espaço e, portanto, ajudar a estabelecer esta relação, ou melhor, esta tensão entre lugar cênico e espaços dramáticos. (...) Claro que os espaços dramáticos podem apresentar as características mais diversas: extra cena-contíguo, cuja presença às vezes é marcada no plano acústico, lugares concretos mas mais distantes e às vezes indetermináveis com precisão, espaços metafícos, enfim, que escapam a qualquer caracterização concreta. (ALCANDRE, 2003, p. 16).

Nem mesmo quando classificado enquanto espaço vazio o termo escapa de definições e análises, visto sua potencialidade perante o jogo criado com a plateia e os atores. Peter Brook considera que “O vazio no teatro permite que a imaginação preencha as lacunas. Paradoxalmente, quanto menos se oferece à imaginação, mais feliz ela fica, porque é como um músculo que gosta de se exercitar em jogos.” (BROOK, 2005, p. 23). E se passamos a considerar o jogo de cena, podemos então encontrar exemplificações que relacionam o espaço teatral à ação empreendida pelo ator e ainda à recepção da plateia.

A lógica do jogo no espaço teatral refere-se quase sempre a duas instancias; o corpo do ator e o tema ali abordado. O acontecimento teatral estimula o espectador a afetar-se pelo que acontece ao ator, convoca o espectador a presenciar ao que se desdobra e o torna conveniente, participante e ativo no ato de recepção. (MUNIZ, 2011, p. 76).

Além dessa útima significação, Muniz considera ainda, algo que pode ser visto como outra definição relacionada ao tema, onde a mesma conclui que “O lugar teatral é uma organização precisa do espaço, definida pela relação palco plateia, entre obra e espectador, responde às necessidades da dramaturgia e da maneira pela qual se apresenta o mundo.” (MUNIZ, 2011, p. 76). Aqui é possível perceber que a palavra “lugar” toma um significado aparentemente similar a “espaço”. E continuando nesse raciocínio, os estudos ligados à cenografia realizados por Anna Mantovani, trazem uma definição a respeito do assunto onde a autora considera que “O lugar teatral é composto pelo lugar do espectador e pelo lugar cênico - onde atua o ator e acontece a cena. No teatro, o lugar cênico é o palco, que, como edifício, muda de uma época para outra e de um país para outro.” (MANTOVANI, 1989, p. 7).
Algumas definições sobre o espaço, ligado ao Teatro, se colocam relacionadas aos conceitos e objetivos da proposta num sentido mais ideológico. Por um viés mais político ligado ao assunto, o artista e pesquisador de Teatro de Rua Amir Haddad, foca em conceitos atrelado ao termo espaço público. Enquanto artista, ele traz para o seu trabalho uma ação social, um objetivo a ser buscado com a inserção da arte nesses espaços públicos. Uma tentativa de romper “com os procedimentos éticos da burguesia capitalista protestante”, diz Haddad (2005). O mesmo associa determinadas considerações sobre os espaços convencionais, algumas sugerem que esses podem limitar a reflexão do cidadão. Assim, sua prática, trabalha visando desenvolver e ampliar a noção de “público”. “Tudo é público e nada é especializado. O cidadão e o artista são as mesmas pessoas e as representações teatrais se transformam em acontecimentos públicos.” (2005, p. 70).
São diversos os recortes que buscam dar significados e definições para o termo espaço, mesmo quando relacionado apenas ao Teatro de Rua. Sendo assim, pode-se dizer que as exigências e peculiaridades das encenações realizadas em espaços abertos se definem de maneira singular. Como avalia o pesquisador Reinaldo Maia, “O Teatro feito no espaço público tem particularidades próprias de exercício e merecem ser discutidas profundamente.” (MAIA, 2004, p. 124).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se trata do espetáculo realizado na rua é necessário considerar que cada espaço oferece diferentes recursos para a encenação.  Nessa perspectiva, Calixto de Inhamuns, artista que pesquisa o Teatro de Rua, comenta que a rua é “um ambiente cênico desorganizado, ou seja, um espaço cênico onde não existem condições favoráveis, como as dos espaços cênicos fechados, para uma apresentação teatral” (INHHAMUNS, 2011, p. 133). Independente da maneira como o artista se relaciona, ou não, com essas condições, elas acabam por influenciar na apresentação. Se considerados, os elementos do local podem favorecer tal encenação. Portanto, torna-se pertinente criar possibilidades levando em conta os diferentes aspectos que cada ambiente (seja praça, calçada, adro, feira, ruína, etc.), juntamente de seus distintos elementos (arquitetura, luz, sombra, sonorização, etc.) irão proporcionar no momento do encontro entre a plateia e o espetáculo cênico.
Muitas das definições aqui apresentadas, ainda que sejam de pesquisadores e artistas distintos, estabelecem certa concordância entre si. Mas, sabendo que podem aparecer algumas divergências terminológicas, ou então, sinônimos que confundiriam a identificação exata de um determinado caso, proponho uma breve simplificação dos significados. Essa relação sistemática de termos não tem a pretensão de se tornar um padrão definitivo para os estudos relacionados ao assunto. Como dito anteriormente, isso seria uma tarefa sem fim. Apenas se apresenta para elucidar exemplos, estudos e situações expressadas na busca de clarear alguns termos e sentidos pretendidos. Assim, as expressões utilizadas nesse trabalho circundam características próprias de se utilizar em ánalises, onde o uso de definições costuma ser necessário. E possivelmente, o mais provável é que os termos usados sejam os mesmos mencionados pela maioria dos estudiosos do assunto, principalmente devido ao caráter direto e simplificado; e também, por terem sido fundamentados nos inúmeros exemplos dos pesquisadores já citados. Os termos aqui relacionados são aqueles que se demonstram mais recorrentes (ainda que de forma indireta) no texto que se originou durante essa pesquisa.
Termos e definições próprias do entendimento desenvolvido acerca das variáveis sobre espaço:
• Espaço – O mesmo que lugar; local; ambiente. Embora a palavra tenha diversas associações ao contexto teatral, sozinha, traz um entendimento menos pretencioso. De maneira geral refere-se a um determinado ponto, área, enquanto localização. Também pode se relacionar à extensão, seja ela indefinida, ou limitada.
• Espaço aberto – Refere-se a todo espaço que lida com formas menos limitadas por estruturas fixas, ou seja, normalmente desprovido de paredes ou telhado. Praças, calçadas, parques, arenas, ruas, adros, feiras ao ar livre e tantos outros espaços podem se encaixar nessa definição. Espaço público e espaço livre são denominações que em algum momento podem ser vistas enquanto sinônimos de espaço aberto. Mas, há de se observar que os termos nem sempre terão o mesmo significado; pois possivelmente, o jardim de uma casa, ou o pátio de uma escola, ou ainda o estacionamento de um condomínio podem ser compreendidos nessa denominação, e nem por isso são espaços públicos ou de livre acesso. Dito isso, o termo passa então a se caracterizar mais ligado à arquitetura e não à acessibilidade. O fato de existir alguma estrutura como parede ou colunas no ambiente, também não são o suficiente para descaracterizá-lo enquanto um espaço aberto. Talvez seja necessária uma visão mais conceitual que estrutural para restringir e simplificar o termo. Como exemplo, uma ruína cujas paredes e teto entejam apenas parcialmente derrubados, e não conseguem mais conter, limitar ou comprimir o espaço cênico, ainda pode se classificar nessa definição, bem como o contrário também é possível. Além dos significados já expressados para esse termo, podemos ainda encontrar outra definição que o atrela a um sentido relacionado a palco/plateia, onde teremos uma visão que direciona o entendimento para outro uso dessa acepção. Trata-se de uma determinação onde não há uma divisão especificada ou marcada que possa dividir os espaços do palco e da plateia, tornando-os assim um espaço unificado ou, um espaço aberto.
• Espaço alternativo – Nesse caso, trata-se de um local escolhido especialmente para se relacionar com a obra teatral que nele será encenada. Esse tipo de espaço passa a tomar um sentido diretamente ligado à proposta cênica. Comumente é escolhido antes ou durante o processo de criação do espetáculo. Não se trata de qualquer espaço onde se apresentam peças teatrais, como um palco italiano ou um anfiteatro; também não se refere a um local apenas não convencional. Aqui o espaço é visto como uma composição da dramaturgia, da encenação. Como exemplo podemos nos referir ao espaço das ruínas de uma prisão escolhida para montagem e apresentação de uma peça que aborde um tema relacionado com o sistema carcerário; ou ainda, um hospital que é utilizado para uma montagem sobre epidemias; ou, toda uma vila de moradores pensada e usada como casa dos personagens da peça. Enfim, a relação com o espaço, aqui, é proposital e vital para o universo cênico da montagem teatral.
• Espaço cênico – Refere-se ao espaço identificado como a área que compreende a evolução dos atores e a composição do elemento teatral, ou seja, o que se coloca para a plateia como elemento da representação cênica. Basicamente é o espaço do palco, ainda que esse possa ser composto também pela plateia. Nessa definição podemos incluir a cenografia, os atores e o que mais possa ser identificado como parte constituinte da cena, tendo sido dado pelo espetáculo e que se concretiza na encenação como algo visível. O termo espaço de representação pode trazer o mesmo significado.
• Espaço convencional – Quando usado no meio teatral esse termo se refere aos espaços construídos especificamente para receber apresentações cênicas. Casas de espetáculo, prédios teatrais, arenas, anfiteatros, entre outros, são exemplos claros de estruturas arquitetadas para o teatro, ou seja, um espaço convencionalmente criado a esse propósito.
• Espaço da plateia – Obviamente limita-se à área ocupada pela plateia. Porém essa área não se restringe de forma exclusiva ao público. É comum que ela seja utilizada simultaneamente por atores e plateia, ou seja, pode haver uma intercessão entre o espaço de atuação e o espaço da plateia. De forma geral, esse tipo de espaço pode confluir com diversos outros, e uma vez que sirva à plateia, basicamente, torna-se fácil de ser identificado, mesmo isolado ou conjugado. Assim, seu uso exclusivo ou compartilhado depende da proposta de encenação.
• Espaço de atuação – Diz-se do espaço onde agem os atores. Sua limitação se restringe à área onde circulam e contracenam os artista do espetáculo. Em alguns casos conflui-se com o espaço da plateia. Em determinadas situações, a denominação espaço de representação também pode trazer o mesmo sentido, mas o mais comum é que essa última se refira ao espaço cênico, não sendo, portanto, propriamente um sinônimo constante para espaço de atuação.
• Espaço de troca – Refere-se à área ou situação que compreende a relação entre ator e o espectador. Tem haver com a recepção, com o momento do jogo. Nem sempre pode ser medido espacialmente em distância ou tamanho, muito embora esteja compreendido na extensão que liga ator e plateia (a conexão de um olhar, por exemplo). O limite é definido pela percepção e resposta que um fornece ao outro. Seja de forma ativa – quando há uma interação de troca física ou verbal também por parte da plateia –, ou de forma contemplativa – quando o jogo se estabelece numa perspectiva mais ligada à recepção –, o jogo e troca se configuram dentro de um determinado espaço e tempo. A relação e conexão é que definem a duração e extensão do espaço de troca.
• Espaço dramático – Concerne ao espaço criado, imaginado pelo espectador, diante as lacunas dadas ou mesmo inventadas por ele dentro da dramaturgia. O mesmo também pode ser atribuído à imaginação do ator. Trata-se de um espaço mental criado a partir da evolução percebida entre os personagens do texto ou pelo imaginário que se cria na encenação. É um espaço abstrato, ficcional, instituído pela imaginação.
• Espaço fechado – Em oposição ao termo espaço aberto, essa definição se caracteriza por conseguir limitar o espaço cênico em um local cujas estruturas físicas, a arquitetura do ambiente, são os delimitadores espaciais. Como exemplo tem-se os teatros à italiana, os palcos elisabetanos (que mesmo com suas aberturas no telhado, ainda sim são estruturalmente muito fechados para se configurar como um espaço aberto), a salas de espetáculo nos mais variados formatos, etc. Enfim, sumariamente são todos os espaços que possuem estruturas limitadoras ao espaço externo. Em outra situação, no caso de se referir à conexão com o espectador, o termo pode servir para definir a limitação do palco em relação à plateia, ou seja, um espaço fechado na área que concerne ao palco.
• Espaço não convencional – Trata-se de todo e qualquer espaço que não tenha sido projetado especificamente para o Teatro, mas que, ainda sim, é usado para encenações. Seja uma casa, uma praça pública, uma quadra de esportes, um local fechado ou aberto, entre outros, o que realmente define esse tipo de espaço é a apresentação cênica num ambiente cuja função comum de uso era outra que não a teatral. Basicamente, toda montagem de Teatro de Rua se apresenta em espaços não convencionais. É preciso atenção para diferenciar esse termo da definição dada a espaço alternativo; pois, embora possam se relacionar, nem sempre será a mesma coisa.
• Espaço teatral – Basicamente compreende as demais definições. O espaço teatral é tudo aquilo percebido e inserido na encenação, visualmente, sonoramente, sensorialmente e mesmo imaginativamente; seja de forma proposital ou apenas circunstancial. Claro que as suas relações dependem de uma série de percepções, tanto da parte de quem assiste (interagindo ativamente ou não) como de quem apresenta um espetáculo. Seja em uma sala fechada, ou em uma rua movimentada, ou diante à fachada de um prédio, ou no pátio de uma escola, ou em palco italiano, tudo o que for notado no espaço pode se relacionar com a encenação; e assim, portanto, passa a estar contido no espaço teatral. A ação dos atores, os signos cenográficos, a imaginação da plateia, a evolução no espaço físico, tudo isso dentre tantas outras situações poderão compor o espaço teatral.

REFERÊNCIAS
ALCANDRE, Jean-Jacques. As articulações do espaço teatral. In: Folhetim – Teatro do pequeno Gesto, nº 16, Janeiro-abril. Belo Horizonte: Teatro do pequeno Gesto, 2003.
BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. Tradução M. Zurawski, J. Guinsburg, S. Coelho, C. Garcia. São Paulo: Perspectiva. 2010.
BROOK, Peter. A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
BRYSON, Bill. Shakespeare: o mundo é um palco: uma biografia. Tradução José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
HADDAD, Amir. O teatro e a cidade / o ator e o cidadão. In: Teatro de Rua: Olhares e Perspectivas. TELLES, Narciso (org.); CARNEIRO, Ana (org.). Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2005.
HELIODORA, Barbara. O teatro explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
INHAMUNS, Calixto de. As Dramaturgias dos Espaços Abertos: das Metrópoles às Comunidades Ribeirinhas do Brasil. In: Seminário Nacional de Dramaturgia para Teatro de Rua - Caderno 1 - 2011. Publicação Núcleo Pavanelli. São Paulo: UNESP, 2011.
KOSOVSKI, Lidia. A casa e a barraca. In: Teatro de Rua: Olhares e Perspectivas. TELLES, Narciso (org.); CARNEIRO, Ana (org.). Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2005.
MAIA, Reinaldo. O Teatro no Teatro ou na rua, continua sendo teatro. In: Teatro de Rua em Movimento 1. Produção Tablado de Arruar. São Paulo: Tablado de Arruar, 2004.
MANTOVANI, Anna. Cenografia. São Paulo: Editora Ática, 1989.
MUNIZ, Zilá. O espaço público como espaço cênico – possibilidade de acontecimento e experiência. In: Teatralidade e Cidade. CARREIRA, André (org.). Florianópolis: Ed. da UDESC, 2011 (Cadernos do Urdimento; n.1).
OLIVA, César; MONTREAL, Francisco Torres. Historia básica del arte escénico. Madrid: Ediciones Cátedra, S. A., 1994.
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução J. Guinsburg e M. Pereira. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.
RATTO, Gianni. Antitratado de cenografia: variações sobre o mesmo tema. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1999.
ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral, 1880-1980. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
TELLES, Narciso. Pedagogia do Teatro e o teatro de rua. Porto Alegre: Editora Mediação, 2008.



[1] Professor do curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas. E-mail: castroteatro@gmail.com
[2] A palavra rua, aqui entendida de forma ampliada, refere-se a espaços de circulação pública: praças, vias, calçadas, adros, vilas, espaços públicos, etc.
[3] Na definição de Barbara Heliodora: De um lado tínhamos uma arquibancada para a plateia, “e do lado oposto foi erguido um conjunto: a parede que dava para o palco era construída para parecer a frente de um palácio, e era chamada de skene (ou cena), correspondendo ao que hoje chamamos de cenário”; à frente dessa construção tínhamos o palco (proskenion). (2008, p. 22)
[4] A análise do autor se baseia no esboço interno do prédio Swan Theatre, em Londres, desenhada pelo holandês Johannes de Witt. Essa estrutura é bastante semelhante ao interior da réplica do Globe Theater da cidade de Londres dos dias atuais.
[5] Em sua obra Dicionário do Teatro, Pavis considera que definir cada derivação do termo “espaço” seria uma tentativa desesperadora. (2008, p. 132).